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ELYSIUM/Crítica – uma desconjuntada ficção-científica

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Tratando de um futuro utópico da civilização humana estabelecida entre ricos que moram no espaço e pobres que sobrevivem em uma Terra miserável, Elysium assume uma posição política em um enredo estruturalmente problemático e sem impacto

Matt Damon e a cidade-estação espacial ELYSIUM (2013), de Neil Bloomkamp

Matt Damon e a cidade-estação espacial ELYSIUM (2013), de Neil Bloomkamp

Quando escreveu Da Terra à Lua em 1865, o francês Jules Verne criou um gênero literário (e posteriormente cinematográfico) chamado de ficção científica – termo só estabelecido nos anos de 1930. Os romances de Verne (1828-1905) , no entanto, mais adequados ao gênero aventura, nunca se preocuparam muito com a política, por conta de sua imaginação e capacidade de pesquisador. Em apenas duas de suas principais criações, 20 Mil Léguas Submarinas (1879) e Robur, o Conquistador do Mundo (1886), ensaiou algum questionamento político, ficando na condenação às guerras.

A preocupação em dotar os livros científicos – como eram chamados antes da fixação em ficção-científica – de questionamentos políticos ficou por conta do britânico Herbert George Wells, o H. G. Wells (1866-1946), o qual tinha uma visão crítica do mundo e em suas obras discutia a ética, a ciência, o Estado e até mesmo a Guerra Nuclear.

Jules Verne e HG Wells: antecipadores das possibilidades da ciência

Jules Verne e HG Wells: antecipadores das possibilidades da ciência

O visionário escritor, em A Máquina do Tempo (1895, filmado em 1960 por George Pal), centra a política e o controle pelo poder como o grande problema do homem e uma ameaça à sua civilização. Basta ler A Ilha do Dr. Moreau (1896) e O Homem Invisível (1897) para se conhecer melhor as ideias do escritor que falou sobre temas atuais como a ciência e a genética, discos voadores e extraterrestres e até criou o termo bomba atômica antes que ela fosse despejada sobre Hiroshima e Nagasaki.

Livros e filmes

Mas, afirme-se que, com Metrópolis (1927), de Fritz Lang, a ficção-científica assumiu a sua postura política, abrindo espaço para o cinema promover reflexões sobre a sociedade humana e os seus desequilíbrios sociais e éticos. A aventura espacial de Verne se tornou ópera espacial.

Aldous Huxley e George Orwell: questionadores do futuro da humanidade

Aldous Huxley e George Orwell: questionadores do futuro da humanidade

Romances como Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley (1894-1963), e 1984 (1949), de George Orwell (1903-50) vieram a consolidar a política na ficção científica, dando-lhe o status não apenas da antecipação científica, mas igualmente de gênero analítico do homem e seu mundo. As obras literárias, adaptadas para o cinema, tiveram resultados ruins (Admirável Mundo Novo, versões de 1980, de Burt Brinckerhoff, e de 1998, de Leslie Libman) e extraordinários (1984, versões de 1956 de Michael Anderson, e 1984, de Michael Radford).

Passando por O Dia em a Terra Parou (versões de 1951, de Robert Wise, e 2008, de Scott Derrickson), O Planeta dos Macacos (1968), de Franklin J. Schaffner, Equilibrium (2002), de Kurt Wimmer, a trilogia Matrix (1999 e 2003), dos irmãos Andy e Lana Wachowski, e Distrito 9 (2009), de Neil Bloomkamp, só para citar alguns, o cinema político de ficção científica chega a 2013 com duas obras distintas: Oblivion (2013), de Joseph Kosinski, e Elysium, o segundo filme de Neil Bloomkamp.

A obra de Kosinski paira acima da de Bloomkamp pela consistência, harmonia e equilíbrio de seu enredo, o qual trafega pela história da construção/desconstrução da civilização humana e lança vários questionamentos filosóficos sobre a tecnologia e a farsa política.

Humanos e alienígenas excluídos e perseguidos em DISTRITO (2009), de Neil Bloomkamp: superestimado

Humanos e alienígenas excluídos e perseguidos em DISTRITO 9 (2009), de Neil Bloomkamp: superestimado

Distrito 9, feito na terra natal do cineasta, a África do Sul, tem um enredo inusitado: uma raça alienígena chega à Terra e é relegada à exclusão social, vivendo junto aos excluídos sociais das periferias. Os aliens misturam-se, assim, aos infelizes integrantes da estratificação social. Vi o filme como panfletário e segregacionista, mas Distrito 9 teve, no entanto, uma leitura diferente, a de obra política, pela maioria da crítica estrangeira e brasileira. O mesmo ocorre com Elysium, o qual também trafega pelas divisões das classes sociais.

Bafejado pelo sucesso obtido por seu Distrito 9, que custou US$ 30 milhões e arrecadou US$ 210 milhões (US$ 115,6 nos EUA) em renda mundial, Bloomkamp recebeu agora US$ 115 milhões e uma grande equipe de produção, mas, mesmo assim, não conseguiu fazer de Elysium um sucesso de público – a sua arrecadação fechou em US$ 91,8 milhões nos EUA e US$ 171,7 milhões no mercado externo, no qual precisa faturar mais US$ 60 milhões para se pagar. Improvável alcançar.

A explicação é clara: Elysium tem enredo cheio de possibilidades, mas logo se torna apenas interessante, e, ao optar pela ação e não a investigação, não cumpre a promessa de impacto. A favor de seu enredo, o fato de não conter metáforas ou alegorias políticas, como era a postura de Distrito 9. Com isso, propõe abertamente que, em 2154, a humanidade estará separada pela tecnologia. Os ricos estarão vivendo na Elysium do título, uma estação espacial na órbita da Terra com as suas cidades aliando a arquitetura grega aos conceitos estéticos da pós-modernidade de espaço e conforto e, na supremacia da ciência, a conquista da eliminação de doenças. Já o restante da humanidade povoa a Terra como um bando de excluídos do progresso civilizatório, abandonado às doenças, desemprego e a marginalidade, além de explorados pelo capitalismo industrial.

A Estação-Cidade Espacial Elysium: a modernidade arquitetônica aliada a estética grega das Cidades-Estados (na foto abaixo, Max e Frey quando crianças)

A Estação-Cidade Espacial Elysium: a modernidade arquitetônica aliada a estética grega das Cidades Estados (na foto abaixo, Max e Frey quando crianças)

Ainda a favor do enredo, a questão da segurança pública, que é, hoje, um dos itens vitais da sociedade, sob a ameaça da incapacidade dos governantes em manter a segurança dos cidadãos e a possibilidade de falência total do sistema pela corrupção que se alastra na mão dupla entre autoridades e subordinados. Diante dessa perspectiva, Elysium expõe a solução do problema com uma linha tecnológica de drones assumindo a tarefa da polícia, tanto nas ruas quanto na burocracia. Sim, o Robocop poderá se tornar realidade conforme idealizado em 1987 pelo filme de Paul Verhoeven. Inegavelmente, uma boa sacada.

São aspectos positivos no interior de uma trama que se objetiva política ao abordar a desigualdade social. No entanto, a ficção-científica de Neil Bloomkamp patina quanto ao desenvolvimento da história, a qual mostra inconsistências quanto a sua construção e plausibilidade de situações e personagens.

A começar pelos personagens, os quais não convencem como críveis, as más soluções na amarração de uma história que assume a prevalência da ação em detrimento da dramaticidade, e a ausência de um desfecho decente e de impacto que pudesse fazer da eliminação da desigualdade a grande mensagem do filme.

Jodie, a secretária de defesa que executa um Golpe de Estado, e Alice Braga, a enfermeira Frey: personagens inconsistentes

Jodie, a secretária de defesa que executa um Golpe de Estado, e Alice Braga, a enfermeira Frey: personagens inconsistentes

As amarrações e soluções da história são frágeis, forçadas, como a contaminação nuclear de Max (Matt Damon), o mocinho ex-ladrão que tenta assumir uma honestidade como trabalhador industrial e que é sempre abordado pelos drones em função de seu passado. É a contaminação dele que irá proporcionar a sua ida a Elysium na tentativa de se curar e, por tabela, promover a sua invasão pelos rebeldes comandados por Spider (Wagner Moura).

Imaginem que o plano de transporte para a estação-cidade espacial se dá ao mesmo tempo em que a secretária de segurança de Elysium, Delacourt (Jodie Foster), implacável para com as naves que tentam entrar na cidade, tenta promover um golpe de Estado e instalar uma ditadura. Não convence.

Quem também não convence é Frey, a personagem vivida por Alice Braga, cuja filha está doente e também precisa chegar a Elysium para ser curada. A ligação entre ela e Max se dá por imagens de infância em que se prometeram um ao outro. Também não convence por não se postar acreditável e cuja tentativa de construção se dá a partir das primeiras imagens deles ainda crianças, as quais perpassam o filme como flashbacks sem obter o desejado efeito dramático.

No entanto, quem herda o melhor personagem é Wagner Moura, que transforma o deficiente hacker Spider – que controla o submundo e a tecnologia e que no fundo é um líder guerrilheiro –, em um personagem dramaticamente eficiente. As melhores cenas do filme estão com ele.

Wagner Moura amplia a dimensão de Spider, o personagem mais crível de ELYSIUM

Wagner Moura amplia a dimensão de Spider, o personagem mais crível de ELYSIUM

São justamente os pontos de união desses personagens que falham de forma crucial no enredo escrito por Bloomkamp. Sem conseguir amarrar as pontas no desenvolvimento de um enredo que necessita equilibrar dramaticidade e ação, Bloomkamp recorre a personagens como o chefão industrial Carlyle (William Fitchner), a figura do empresário selvagem, o qual seria a expressão do capitalismo, e especialmente ao mercenário Kruger (Sharlto Copley), o qual apenas serve para dotar o filme de ação. Analise comigo: são mesmo necessários na história?

Sharlto Copley, o mercenário Kruger, e William Fitchner, o empresário capitalista-selvagem: caricatos e desnecessários

Sharlto Copley, o mercenário Kruger, e William Fitchner, o empresário capitalista-selvagem: caricatos e desnecessários

Durante o desenrolar do filme há a busca pela dramaticidade que teima pela ausência. Sem alcançá-la, Bloomkamp, para isso, converge situações inconvincentes para que a desesperada trupe de Spider alcance a estação espacial e a história se desfeche na vitória da luta pela igualdade, cujo resultado, no entanto, soa mais panfletária do que eficiente. Como resultado, uma história sem qualquer impacto.

Mas, ainda assim, Elysium é um filme interessante pelos seus efeitos especiais e a atuação soberba de Wagner Moura, mas que poderia ter tido ou resultado mais eficiente caso tivesse a inteligência de um Oblivion.

Focha técnica

Elysium
Elysium, EUA, 2013
Diretor: Neil Bloomkamp
Elenco: Matt Damon, Wagner Moura, Jodie Foster, Alice Braga, Sharlto Copley, William Fitchner e Diego Luna
105 minutos
12 anos
Warner

 

 

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